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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A culinária da Ana Maria de antigamente

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Minha sogra estava de mudança e fez aquela boa limpeza nas tranqueiras da casa. Passando pelos livros, pegou 3 deles e veio na minha direção:

- Nessa, fica com esses para você!

Eram livros de culinária muito antigos. Um deles, o maior de todos, foi uma edição de 1958 do que provavelmente era um dos livros de culinária mais importantes do Brasil até então: “Ana Maria – Receitas Culinárias“, da Companhia Brasil Editora. Bem no estilo do “Dona Benta – Comer Bem“, que todos conhecemos.

Eu fiquei sem jeito e respondi:

- Não, não posso! Esses livros não podem “sair da família”. Dê para outra pessoa, mas alguém que também goste de cozinhar. Por que você não guarda para você?

- Eu não ligo para isso não, você gosta mais do que eu. - Ela insistiu.

Eu fiquei com medo, porque sabia lá Deus se o namoro teria futuro. Ela insistiu mesmo assim, então eu aceitei.

Olha, ainda bem! Esse livro é o maior barato. É impossível focar no conteúdo das receitas sem desviar a atenção para os detalhes completamente fora do nosso tempo.

Escolhi uns trechos muito interessantes para você conhecer um pouco da culinária da metade do século passado:

Frangos

Como escolher:

Escolha sempre um frango novo, no máximo de seis meses, e sadio. Para saber se é sadio veja se a crista é bem vermelha e se está com o peito bem carnudo. Êste deverá ser um frango gordo.

Como matar:

Há dois processos: o primeiro, pelo destroncamento do pescoço; e, o segundo, pelo corte do mesmo.

Para destroncar o pescoço de um frango, amarram-se-lhe as pernas bem firmemente, o mesmo fazendo às asas. Segure-o, agora, pelas pernas, de cabeça para baixo, e coloque a mão direita bem na junta do pescoço com a cabeça. Force a cabeça, rapidamente, para o lado, destroncando-a. Então, deixe-o pendurado de cabeça para baixo, para o sangue escorrer todo para a cabeça.

Se quiser usar o segundo processo, amarre-lhe da mesma forma, as asas e os pés, afie bem a faca e, de um só golpe, firme e rápido, corte-lhe de todo a cabeça, apoiando o frango contra uma superfície resistente. Pendure-o de cabeça para baixo.

Como depenar:

Leve a água ao fogo, em uma bacia, e deixe-a ferver. Quando estiver fervendo, mergulhe nela o frango, primeiro segurando-o pelos pés e, depois, pela cabeça.

Deixe-o por uns dois minutos, no máximo, na água fervendo. Então retire-o, deixe esfriar um pouco, e comece a depená-lo. Quando tiver terminado, veja se há canhões (espécies de cravos) e retire da mesma maneira que se fossem cravos da pele. Depois, faça um fogo de papel e sapeque bem o frango por toda a superfície externa, queimando-lhe todos os pelos. Por fim, lave-o muito bem debaixo dágua corrente e enxugue-o num guardanapo.

Como abrir:

Faça-o pelas costas e bem ao meio. Com uma faca afiada vá reforçando e partindo. Então, segure bem firme com uma mão de cada lado e force, para que abra bem. Retire as vísceras com cuidado. Coração e fígado são lavados e deixados de lado. Do fígado, tira-se com cuidado uma pequenina bolsa, que corresponde à vesícula biliar, e que é o fel, substância amarga que se não for tirada com cuidado, estragará o fígado. Abra a moela ao meio e retire-lhe do centro uma bolsa de areia. Lave muito bem e reserve.

E você aí achando que mexer na carne de frango crua é nojento, né? Ainda bem que não nasceu antes dos frangos congelados, pode começar a agradecer!

Abater o frango que vai assar no almoço (e outros animais) ainda é muito comum em algumas regiões. É comum mesmo! Na roça então, nem se fala! Eu tenho muitas histórias dessas, apesar de ter nascido bem depois da década de cinquenta. Bem depois, muito depois. Quase ontem!

É bem engraçado que as receitas do livro comecem assim:

Leve ao fogo em panela de barro, um frango gordo e novo, e faça dourar em manteiga.

Ou então:

Limpe um franguinho novo e separe-o em pedaços.

Pareceu bem camarada do frango, esse último.

Agora é a vez da galinha, porque é diferente:

Galinhas

Para matar uma galinha:

Há dois processos: a) cortar-lhe o pescoço, com faca, aparando o sangue numa vasilha com vinagre, para não talhar (aproveite êsse sangue para môlho pardo); b) destroncar-lhe o pescoço pela junta e pendurá-la de pernas para cima, afim de que o sangue escorra todo do corpo e se amontoe no pescoço, fazendo um chouriço.

Ponha a ferver uma chaleira com água. Coloque a galinha numa bacia, derrame sôbre ela a água fervendo, verificando que tôda a sua pele fique bem molhada. Retire a galinha da água e vá arrancando as penas com cuidado para não ferir a pele. Quando as penas tiverem sido tôdas retiradas passe a galinha, rapidamente e em todos os seus lados, sôbre uma chama de fogo bem viva para que se queimem todos os seus pêlos.

Lave bem a galinha, em água corrente, e enxugue-a muito bem com um guardanapo.

Agora, retire-lhe a crista, puxe-lhe a língua, corte-lhe o bico e as unhas.

Há duas maneiras de tirar-lhe o papo e as tripas: a) se fôr para assá-la ou recheá-las, dê-lhe um pequeno corte embaixo do pescoço e outro na barriga, retirando-lhe o papo, as tripas e a moela, o fígado e o coração. Retire a bolinha de gordura que existir no coranchim; b) o outro processo é de abrí-la inteiramente, em linha reta, pelas costas, retirar-lhe todo o interior e, depois, cortá-la aos pedaços próprios: dois pés, duas pernas, duas coxas; cada asa em duas partes; o peito em duas partes também, depois de ter retirado o jogador. O corpo da galinha deve ser partido pelas juntas para que os ossos não tornem desagradáveis a galinha. Então, faça dela os pratos que quiser.

Foi assim que eu descobri que galinha tem língua! Nunca pude imaginar isso. Agora, “coranchim” e “jogador” também devem ser partes da ave, mas eu continuo desconhecendo.

Para finalizar, o melhor de todos! Eu ri alto quando li esta parte do livro. (Ok, é meio cruel sim, mas o inesperado é sempre engraçado…)

Peru

Antes de matar o peru dê-lhe a beber um copo de cachaça. Além de evitar-lhe o sofrimento ao morrer, sua carne ficará mais macia e mais gostosa. Sòmente quando cair bêbado, corte-lhe a cabeça com uma faca afiada e pendure-o pelos pés, de cabeça para baixo, para escorrer todo o sangue. Depene-o enquanto a carne está quente e nunca use água quente. Para tirar a penugem, chamusque-o ràpidamente em um fogo de papel. Abra-o e limpe-o. Depois, cruze-lhe as asas nas costas e faça um pequeno corte na mitra, enfiando nessa cavidade as duas pernas.

Eu ainda não consegui descobrir o que é “mitra” (se souber, por favor me diga) mas, de qualquer forma, depois de você dar cachaça para o peru até ele cair bêbado, qualquer buraquinho onde você resolva “atochar” as duas pernas dele é extrapolar demais o limite da maldade. Né não? Coitadinho.

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Brincadeiras à parte, este post pode ser útil para você um dia, quem sabe? Vai que você se depara com a necessidade de matar uma galinha para não morrer de fome? E se tiver um peru e um copo de cachaça para se manter vivo, o que você vai fazer?

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